Crônica

Redenção

Por Thais Russomano

Médica

Ela viveu poucos anos naquele pequeno apartamento e foi muito feliz ali. Aos sábados, passeava pelas ruas próximas, sempre movimentadas, com lojas, cafés, bares e restaurantes lotados. Por hábito, costumava visitar alguns lugares, como uma livraria onde percorria títulos de livros e guias de turismo sobre locais que almejava conhecer, para só depois sentar-se em algum café e ali ficar observando o incessante ir e vir das pessoas, enquanto desenhava mentalmente planos para os próximos anos de sua vida.     

Depois de um tempo, ela teve de fazer as malas e partir. O destino a levara para outros rumos e era hora de deixar para trás o pequeno apartamento, os rotineiros passeios de sábado e tudo mais que tanto amava. Mas, por diferentes razões, ela retornou a essa cidade várias vezes e, aos sábados, voltava a percorrer as mesmas ruas, a mesma livraria, os mesmos cafés e desenhava os mesmos planos. 

Esse ritual se repetiu por mais de uma década, até que, num determinado sábado, sem nenhuma razão aparente, ela mudou seu trajeto e entrou no edifício onde morara, tomou o elevador e ficou parada em frente à porta do pequeno apartamento, que, por alguns anos, chamou de seu. E chorou. Chorou muito, soluçou, soltou um grito contido, contorceu corpo e alma, enquanto olhava catatônica para porta de seu antigo lar.     

Muitos outros sábados vieram, nos quais ela estava lá visitando essa mesma cidade. Sabia, porém, que, desde seu confronto com o passado, ela já não era a mesma e não havia mais razão para retornar às mesmas ruas, à mesma livraria e aos mesmos cafés. Quanto aos planos? Ah, esses também eram outros – haviam sido redesenhados. Ela estava, finalmente, liberta!


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